segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Ana nº 4

Eu que fui capaz de ver essa história toda de trás para frente e conhecia cada passo de Ana antes mesmo que ele acontecesse podendo assim prever o seu fim, sabia que seria inevitável tentar impedir ou tentar concertá-la quando ela se atirou de um abismo como se pudesse voar, ficando claro naquele momento que ela não podia voar. 
E aquilo ficou ainda mais claro quando seu sangue se misturou de tal forma em sua roupa que não era mais possível saber o que era sangue ou o tecido da sua camisola vermelha escuro. Olhando assim era possível ver que toda aquela raiva que ela nutriu por ele a fez não acreditar que era impossível ocupar o mesmo mundo sabendo que ele provavelmente se divertia, tinha amigos e uma vida normal ou poderia estar ali ainda rindo dela e a vigiando de alguma forma. 
Nada teria salvo a pequena Ana e o máximo que pude fazer foi a envolver em um abraço e dar a ela uma eternidade onde houvesse a calma que há tempos ela não encontrava em seu apartamento ou nos braços de Beto após todo aquele terrível acidente. 
Ela vivia dentro de si como se não houvesse mais nada e de certa forma não havia, afinal quem conseguiria ser tão machucada assim e acordar no outro dia? 
Principalmente quando não houve vingança ou justiça, ela não conseguiu dar a ele um pouco do veneno que ela havia experimentado e isso virou dentro dela um rancor, dando a ela noites sem dormir misturadas com náuseas, um veneno que ela tomou tão aos poucos e por fim já não havia mais cura invadindo assim cada parte dela, virou brutalidade nos copos quebrados, nos livros jogados e para ela a sua calma viria apenas através dele que lhe deu o veneno em grandes goles.
Beto mesmo sabendo de tudo achou que ela um dia iria seguir em frente, pois com os olhos de telespectador tudo é mais simples de ser solucionado, uma pena que nem você ou Beto poderiam intervir naquela noite ou nessa. 
Mas agora acho que mais vocês do que eu precisam entender o que houve na noite de hoje depois de tudo o que já lhe contei.
Eu a vi da janela sentada em seu sofá com o copo de bebida numa das mãos, era por volta das duas da manhã e Ana assistia um filme qualquer, apenas pude ver que não era romance. 
Ela então se levantou da poltrona com um olhar vago, foi até a prateleira de livros passou a mão livro por livro e pensou se já havia mesmo lido todos, não tinha nenhum que  lhe chamasse a atenção afinal não iria ler mais nada naquela hora. Foi quando olhou para a janela e "meu deus como tudo parecia tão leve do lado de fora de seu apartamento", foi então que abriu a janela, subiu na beira da sacada e sentiu o vento gelado de São Paulo em seu rosto e cabelo, 
Foi então que na sua cabeça passou um filme como sempre foi dito que aconteceria, a primeira cena que apareceu foram as tardes na casa da avó e pode sentir o cheiro do bolo de fubá, depois veio o primeiro beijo aos quatorze anos em um menino mais velhos, foi então que Beto surgiu com seu sorriso doce e quase a fez dar um passo para trás, pode sentir o cheiro de todas as flores que já havia ganhado dele e depois um vento trouxe o perfume que ele usava, veio então aquela noite que não tinha cheiro de nada e escorreu então uma lágrima, mas logo após essa lembrança foi então que lhe dei seu último presente, juntei todos os abraços que ela já havia ganhado de pessoas queridas em um só e a reconfortei... 
Foi quando ela fechou bem os olhos evitando olhar os andares abaixo e andou em frente, sabia que era necessário e foi tão segura de si. Ela não sentiu o vento que passou pelo seu corpo na velocidade em que caia, sentia apenas o calor de todos os abraços que lhe dei e sorriu, uma pena que quando seu corpo foi encontrado não era mais possível distinguir o seu sorriso, Beto achou então que ela havia morrido triste como esteve por tanto tempo, uma pena não poder lhe falar que era novamente a Ana que ele conheceu a tanto tempo e que estava feliz. 
Se eu pudesse deixar uma carta debaixo da porta, mas não pude e ele teria que esperar a sua vez e talvez assim entender que morrer é isso, apenas o fim de tudo o que se viveu e achar a paz que ficou perdida no cotidiano, nas brigas através do abraço que se recebeu, do amor que se deu e então eu darei a ele o presente que ele tanto espera que era o sorriso de Ana novamente. 

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