- Bem Betina como foi sua última semana?
Ao fundo o relógio batia tão lentamente que o tempo parecia parado e aqueles quarenta e cinco minutos ali uma eternidade, dentro da mente a única pergunta era "como poderia a eternidade caber dentro de nem uma hora e essa eternidade ser tão incomoda"
- Oi? O que o senhor me pergunto? Desculpe!
- Eu te perguntei da semana, se tivemos algum progresso ou alguma lembrança e quem sabe algum desenho como semana passada.
- Bem não, nenhum desenho, foi uma semana bem calma na vida de... Digo na minha vida, faculdade para a casa, cama para a faculdade novamente. E teve o Roger, meu deus ele é tão estranho, me levou em uns lugares que bem ...
O silêncio entrou devagar no ambiente, como se tivesse vindo pela própria porta, tanto que até Betina olhou a respiração lenta e pausada e por fim a frase
- Bem ele insiste que eu gostava, mas eu não sei se pode ser verdade.
- Eu entendo, tudo isso é novo para você são apenas dois meses e acredito que aos poucos você irá se lembrar das coisas com um pouco mais de clareza e esses lugares vão fazer algum sentido e você se sentirá em casa.
- É, casa... - pronunciou bem baixinho, mas o que era casa para ela se afinal nem mesmo a sua imagem fazia sentido, se casa era o corpo que corpo estranho era aquele que habita, aquelas tatuagens que se significavam algo agora não faziam sentido nenhum, casa não deveria ter família, mas se não sobrou ninguém onde é que se acha a casa? Quantas perguntas que ela e muito menos ele responderiam.
- Bem Betina, por hoje é só e te espero semana que vem no mesmo horário.
Abriu a porta e quase respirou aliviada por ter ido mais um dia, porém lá estava ele sentado na recepção com um sorriso estampado de esperança que ela poderia ter lembrado dele e então retornassem da onde pararam "o casamento, a viagem para paris, as crianças pela casa e os cachorros no quintal", mas ao desviar rapidamente o olhar do dele ele soube, não era possível retornar a lugar nenhum. Era uma completa desconhecida que dividia a cama com ele, o apartamento, a vida que antes fazia tanto sentido juntos agora só lhe causava náuseas, tantas tentativas frustadas e nem sequer uma lembrança. Como pode, ela que o amava tanto não ter uma única memória feliz ao lado dele, nem que esse memória fosse a briga porque ela viajou com Beto para a casa da praia sem nem o convidar, ou então quando ele esqueceu dela plantada na porta do cinema porque teve que fazer hora extra. Nada, absolutamente nada!
Entraram no carro, um jeep verde que era uma das poucas coisas que Betina gostava de ter em sua nova vida, achava que a velha Betina tinha um gosto excepcional para carros, como ele era confortável e a sensação de liberdade e aventura que ele lhe causava, como se pudesse desbravar o mundo inteiro naquele carro, ir em busca somente do novo e deixar para trás tudo o que ela não podia mais viver ou lembrar, devia ser pelo seu ar esportivo e sempre que ela analisava essa teoria ria sorrateiramente.
- Você dirige hoje? - Roger cortou seus pouquíssimos segundos de alegria com o carro.
- A claro, dirijo! A chave tá na mão já. - Lá vamos nós desbravar a grande São Paulo, seus prédios e suas ruas em meio ao perigo e grafite, riu disfarçadamente para que Roger não a questionasse.
Durante todo o caminho a música no rádio, os postes passando lentamente por cima do vidro e meu deus como aquela cidade era bonita e feia ao mesmo tempo, uma rua bonita com seus grandes prédios, outras casebres e outras casas imensas pixadas de ponta a ponta. A raiva e o amor das ruas de um muro para o outro, de um prédio para o outro...
- Betina você tá indo para lá de novo!
- Nossa me desculpa eu, eu nem notei estava olhando os prédios e você... Bem você sabe mas já to pegando um retorno. Troca a pasta para mim? Deve ser isso, me distrai.
Pega o retorno, volta confusa... Ali de novo e de novo tantas vezes, nenhuma resposta e agora o tempo voava, apagava a eternidade num sopro e chegou enfim em "casa".
- Bem agora o lugar certo não é - Sorriu um sorriso desses frouxos enquanto o portão elétrico se abria.
- Sim, o lugar certo Betina - a cara amarrada, sem retribuir o sorriso demonstrando o cansaço, será que aquele lugar. Betina tinha um amante por ali, alguém que talvez ela lembrasse e amasse ao contrário dele! Afinal nenhuma lembrança dele ...
No elevador perguntas triviais do gênero "como foi, mostrou os desenhos, mentiras e mais mentiras, foi tudo bem sim, vamos dormir", mas o relógio ainda marcava 20:18 h e o longboard no canto da cozinha chamava para um passeio. Foi disfarçada até o quarto, trocou de roupa e pensou em sair sem chamar muita atenção. Fumar um, sentir de leve o vento, se arriscar por São Paulo afinal quem daria falta de alguém que não tem ninguém?